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  • Foto do escritorAdriana Tamashiro

Afinal, empatia é se colocar no lugar do outro?


Publicado originalmente em 20 de abril de 2021 no site da Empatia Criativa



Vou começar esse texto já respondendo a pergunta. Não. Literalmente, emocionalmente e fisicamente isso é impossível. Talvez aí resida a principal falha de entendimento do conceito de empatia, porque tentamos explicar um conceito por uma figura de linguagem.


A analogia faz sentido, porque a única forma de compreendermos um termo subjetivo é criando uma alegoria. No entanto, possivelmente as pessoas falham em “sentir empatia” porque empatia não é um sentimento.


Empatia é um estado. Um exercício constante de abertura para entendimento do que é diferente da própria experiência, que passa necessariamente pela suspensão de julgamentos.


Hoje, é considerada uma habilidade socioemocional. Neurologicamente, ativa áreas do cérebro em resposta a determinadas ações de forma similar e pode ser medida. Cerca de 98% dos seres humanos têm a capacidade de reconhecer, compreender e reproduzir emoções alheias. (De 1 a 3% apenas da humanidade apresentam de fato psicopatia e incapacidade de estabelecer essas conexões) [1].

Existem 3 tipos de empatia, de acordo com Paul Ekman e Daniel Goleman, teóricos sobre inteligência emocional:

Empatia emocional ou afetiva: é aquela que normalmente as pessoas confundem o conceito com a ação na hora de aplicar de forma prática e é nessa que a maioria das pessoas “falha”. Nela, um indivíduo realmente se sente tão tocado com um relato que seu cérebro entende que uma dor possa ser compartilhada. É a parte emocional que se conecta com o outro e nos faz chorar ao ver um filme ou ouvir um relato, por exemplo. Não há um entendimento racional nesse processo e esse tipo não costuma ser o mais adequado para solucionar problemas.


Empatia cognitiva: é aquela que consegue reconhecer a dor alheia, sem necessariamente sentí-la. É diferente da compaixão, na qual uma pessoa pode acreditar fazer parte daquela dor e diferente da simpatia, na qual o indivíduo pode “dar razão” ou ter afinidade com o pensamento alheio e apenas concordar com determinados pontos de vista. Este nível considera racionalizar o “sentir” do outro para compreender uma percepção de mundo diferente. Não há necessidade de sentir o que o outro sente e se colocar na mesma situação. Basta que exista suspensão de julgamento. Exemplo: quando uma mulher nos conta que está odiando estar grávida. Possivelmente, se você não pode ou não quer ter a experiência de gestação, só poderá entender racionalmente uma afirmação dessas, reconhecendo um sentimento e compreendendo outro ponto de vista e não terá a possibilidade de “se colocar na mesma situação” para sentir o mesmo. A maioria das pessoas parte para algum tipo de julgamento, tentando oferecer resposta ou interação. É nessa hora que este tipo de empatia precisa entrar em ação.


Empatia compassiva/solidária: aqui teremos outra possível confusão com relação ao uso dos termos. Quando pensamos em compassiva e solidária, automaticamente remetemos à compaixão. Mas, quando falamos sobre empatia, não necessitamos fazer parte de uma dor, como já foi dito anteriormente. As palavras aqui apenas simplificam um processo estruturado e bastante defendido por Brené Brown, pesquisadora e especialista no exercício da empatia, na seguinte ordem:


1. Tomar perspectiva

2. Suspender julgamentos

3. Reconhecer emoções

4. Comunicar/agir com eficiência.


Notem, que adicionamos um quarto item neste ponto, que diz respeito ao regulamento das nossas próprias emoções. Uma vez que uma pessoa só consegue se comunicar com eficiência ou agir a partir de um contexto apresentado quando passou pelos estágios anteriores com sucesso. É chamada de compassiva por impelir a uma ação.


Na vida cotidiana, seria o caso de vermos uma criança que acabou de arrebentar o joelho, caindo na calçada e prontamente nos colocarmos à disposição para entender que existe uma dor e que talvez aquela criança não passe pela experiência da mesma forma que passaríamos e que não precisamos cortar nosso joelho para sentirmos a mesma dor, sendo também necessária a suspensão do nosso julgamento, evitando dizer frases do tipo: “não chore, isso não é nada”. Isso é reconhecer e acolher a emoção do outro. Já agir/comunicar, poderia passar por atividades como dar um abraço na criança e auxiliar na assepsia e proteção da ferida ou escolher alguma outra ação que tenha por objetivo resolver o “problema”, sem atropelar um sentimento existente no outro ser humano.


Ou seja, olhamos para as necessidades, além dos sentimentos. E por conta disso, o exercício da empatia se torna complexo.


COMUNICAÇÃO NÃO-VIOLENTA E EMPATIA


O desenvolvimento de outra competência se faz necessário para que a empatia realmente seja uma habilidade: a capacidade de identificarmos as diferenças entre sentimentos/emoções, necessidades e estratégias, campo de estudo da comunicação não-violenta (CNV), desenvolvida por Marshall Rosenberg.


Todo sentimento aponta uma necessidade, mas frequentemente confundimos necessidades com emoções. Por consequência, nesta confusão, não conseguimos traçar boas estratégias (travamos) ou escolhemos caminhos questionáveis na tentativa de solucionar problemas.


Voltando ao menino que se feriu no joelho. Se o pegássemos no colo e sem dizer nada, já começássemos a limpar e fechar aquela ferida, estaríamos resolvendo um problema? De certa forma sim, mas não exercitaríamos itens importantes para uma resposta empática, pois alguns eventos, quando passam pelo emocional do outro podem se tornar traumáticos, se forem desconsiderados os “limites do outro” sem o entendimento também das limitações pessoais para lidar com determinados tipos de assuntos/problemas.

A coisa complica um pouco mais quando começamos a estudar CNV e descobrimos que para chegarmos em uma comunicação eficiente, precisamos exercitar também nossa capacidade de escuta.


ESCUTA ATIVA


Realmente, não vim aqui facilitar a vida de vocês e sim, reforçar que não banalizemos a empatia, por passar por habilidades extremamente complexas de serem exercitadas.


Existem 4 níveis de escuta que são muito exercitados dentro da Teoria U [2]. O sucesso de uma mudança na percepção ou comunicação, depende da habilidade em observar a qualidade da própria escuta e ajustá-la ao que é necessário em cada situação.


Nível 1 – downloading (julgamento): tipo de escuta limitada a confirmar o que já sabemos. Nada novo é absorvido. Como exemplo, podemos usar o clássico: “Está frio hoje né?” “Sim, está frio”. Ou: “nossa, nosso chefe está uma fera hoje né?” “é o que parece.”


Nível 2 – escuta factual (debate): este nível de escuta requer a suspensão dos julgamentos e nos colocarmos em modo de mente aberta. Nele, entendemos as informações e diferenças. Notamos as diferenças de opiniões e informações. Exemplos, debates amigáveis sobre pontos de divergência no trabalho, mesmo que não cheguem a um denominador comum. Mas não afetam o emocional de nenhuma das partes no relacionamento. “Vamos fazer uma concorrência!” “Não, porque não concordo e acredito que seja o motivo de tanta toxicidade no mercado!”, e aí se inicia uma argumentação sobre o assunto, com as partes expondo seus pontos de vistas, mesmo que não concordem, sem que gere desconforto real porque passamos do nível de julgamento.


Nível 3 – escuta empática (diálogo): este nível de escuta requer coração aberto e uso das nossas capacidades de conexão. Somos capazes de enxergar e compreender a situação (só nesse nível de escuta começamos a exercitar a empatia, como habilidade). Ex.: “estou muito triste porque fui demitida hoje” “puxa, é péssimo sentir essa tristeza, consigo te compreender” (notem que não há necessidade de oferta de nenhuma solução, só conexão). A frase que não seria nada empática, mas que a maioria das pessoas por não suspender os próprios julgamentos pode fazer é: “puxa, que pena, mas que bom que está viva e pode trabalhar, não?” (Há uma enorme diferença entre essas escutas. Podemos chamar, algumas vezes, de positividade tóxica, por não gerar nenhum tipo de conexão).

Nível 4 - escuta generativa (criatividade coletiva): escutamos as possibilidades de futuro emergente, abrindo espaço para que o novo aconteça. Todos nós já experienciamos em algum momento isso, mas é um nível difícil de obtermos. Exemplo: pensem naquele dia que ficaram toda a madrugada conversando com alguém, e, para além da conexão, conseguiram estabelecer um fluxo contínuo e nem perceberam a passagem do tempo (estado de fluxo). Esse é o quarto nível de escuta, em que estamos com mente, coração e desejo abertos juntos e conseguimos construir novas ideias e possibilidades. Não é irreal no ambiente de trabalho. Muitas equipes ao exercitarem muito os níveis de escuta conseguem estabelecer por meio de facilitações esse momento de cocriação.


QUAL A DIFERENÇA ENTRE ALTERIDADE E EMPATIA E POR QUE NÃO PODEMOS SUBSTITUIR UM PELO OUTRO?


Recentemente, existe um debate para substituição do conceito de EMPATIA pelo de ALTERIDADE.


Do meu ponto de vista, são dois conceitos complementares, necessários e não excludentes. Vamos começar pela etimologia:


EMPATIA: advém do grego EMPATHEIA, formado por EM-, “em”, mais PATHOS, “emoção, sentimento”

ALTERIDADE: em latim, a origem da palavra está na palavra alteritas. O radical alter significa “outro”, enquanto itas remete a “ser”, ou seja, em sua raiz, alteridade significa “ser o outro”.


Vou fazer a advogada do diabo agora.


Racionalmente, se queremos somente tomar a perspectiva do outro faria muito mais sentido usarmos a palavra alteridade não?


Segundo Mariza Peirano, antropóloga [3]:


“A alteridade é um aspecto fundante da Antropologia, sem o qual a disciplina não reconhece a si própria”.


A Antropologia toma por base o reconhecimento das diferenças entre o universo cultural de um indivíduo e de outro. Abole hierarquias e tenta se aprofundar no entendimento real das complexidades de determinados grupos pesquisados. É um processo bastante racional, como se colocar imediatamente em terceira pessoa, fora da situação e mapear itens comuns e divergentes em determinados contextos, separar e analisar. O olhar é clínico.


Em determinados momentos, em contextos de jornadas de usuários por exemplo, nos valemos muitíssimo da alteridade. Ela realmente é a base para desenvolvermos bons projetos de pesquisa e boas soluções.

No entanto, quando propomos a substituição do conceito de empatia pelo de alteridade, eliminamos o entendimento das subjetividades que a empatia se propõe a atravessar, não mais somente do lugar de origem de uma terceira pessoa, mas de um “relacionamento” e de processos de cocriação. E é por isso que o design thinking e jornadas de user experience não se valem somente da Antropologia, mas também da Etnografia, Netnografia, Sociologia e Psicologia, desenvolvendo ferramentas que são acessíveis sem que profissionais tenham que realmente se especializar em todos esses campos de conhecimento. Entender comportamentos e motivações passam por diferentes tipos de olhares, mas não devemos banalizar ou priorizar as ferramentas (que podem mudar e serem substituídas por melhores no decorrer do tempo) em detrimento dos próprios campos de conhecimento da humanidade que são muito mais amplos.


Na alteridade, não necessariamente a cocriação ou escuta generativa (quarto nível) se apresentam necessárias. Uma pessoa pesquisadora pode desenvolver argumentos e soluções sozinha, sem a colaboração de outras pessoas ou mesmo do grupo que esteja sendo pesquisado, por se tratar de uma atividade individual. No desenvolvimento de soluções que passam pela empatia como habilidade socioemocional, sim. Porque a empatia só existe no relacionamento com o outro. A observação e reconhecimento de padrões ou não são uma das partes desse processo.


Assim, não são excludentes, são complementares.


O mapa de empatia, criado pela XPlane como extensão da metodologia Canvas, é uma ferramenta importantíssima para entendermos quem são as pessoas dos grupos de interesses e não poderia chamar mapa de alteridade (focando somente na parte racional da pesquisa) porque pretende construir “valor”. Valor só pode ser construído compreendendo emoções e relacionamentos (campo de estudo do branding, da publicidade e do marketing por exemplo e notem que os 3 estão no campo da comunicação que, como falei anteriormente, para ser eficiente, precisa passar por todo um processo anterior).


Não é a toa que dentro do mapa de empatia, o item que fica no topo da ferramenta é: o que sente/pensa.


Se nos baseássemos somente na alteridade, talvez o “sentir” não fosse necessário e perderíamos um componente de peso das escolhas das pessoas que nem de longe são somente racionais. Pelo contrário, conforme aponta uma pesquisa da Universidade de Harvard, 95% das nossas decisões diárias são tomadas inconscientemente e com base em nossas emoções.


Não podemos simplesmente eliminar o campo das emoções. O que a empatia possibilita, junto com a alteridade, como habilidade socioemocional, é a capacidade de reconhecer, não julgar, compreender e agir a partir de dados que nos são fornecidos com relação à experiência de outra pessoa ou grupos, diferentes dos nossos e muitas vezes divergentes do que nós mesmos teríamos como vivência.

Como vimos acima, exercitar tudo isso não é simples. É preciso avaliar a nossa própria condição interna e a existência de um universo interno no outro, entender a diferença entre sentimentos e necessidades com o objetivo de elaborarmos a melhor estratégia de comunicação para só depois de todo esse processo, chegarmos em uma ação. Na maioria das vezes, isso acontece em fração de segundos. Algumas ferramentas isoladas, como exercitar os níveis de escuta, já são dificílimas de serem aplicadas. Abertura, paciência, autoconhecimento e muita reflexão são pré-requisitos.


Antes de simplificarmos processos e propormos novas terminologias, pode ser bem interessante buscarmos a origem das coisas, evitando a banalização.


E você, sabia que empatia envolvia todas essas questões?


___

REFERÊNCIAS:

[1] MORANA, Hilda. Psicopatia por um especialista. Matéria publicada no Jornal “Folha de São Paulo”, de 20 de Abril de 2003.

[2] SHARMER, C. Otto. Theory U: Leading from the Future as it Emerges. Second Edition. Berrett-Koehler Publishers, Inc. 2019.


[3] PEIRANO, Mariza. A teoria vivida: e outros ensaios de antropologia. Companhia das Letras. E-book. 2006.

RECOMENDAÇÕES:


Livros:

BROWN, Brené. A arte da imperfeição. Editora Novo Conceito. 2012

______. A coragem de ser imperfeito. Editora Sextante. 2016

GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. A teoria revolucionária que define o que é ser inteligente. Objetiva, Tradução revista em 2001 do original 1995.

ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. Editora Martins Fontes. 2009


ROSENBERG, Marshall. Comunicação Não-Violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Ágora. 2006.


Vídeos:

BROWN, Brené. The Power of Empathy. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jz1g1SpD9Zo

EKMAN, Paul. Is Compassion na Emotion? Empathy and Compassion in Society, 2013: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JwncvLOCMeI


Filme:

Divertida Mente. Walt Disney Studios. 2015.



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