Publicação original no LinkedIn, em 18 de março de 2021
Eu sempre gosto de usar a frase acima, ao lidar com organizações, apesar de clichê. Quando focamos em observar as necessidades, falas, dores e desejos das pessoas surgirão diversos temas que precisam ser abordados com bastante cuidado.
O monitoramento netnográfico é bem relevante para sinalizar a existência de muitos problemas dentro das empresas quando falamos em employee experience e de muita insatisfação por parte dos candidatos, principalmente nos processos seletivos.
No episódio da vez, um post de LinkedIn causou bastante tumulto por debochar de algumas perguntas clássicas em entrevistas de emprego. Na sequência, foi possível observar uma enxurrada de reclamações e relatos negativos de vários usuários da plataforma, em entrevistas de áreas completamente diferentes.
Nesta reflexão, quero falar sobre vários assuntos conectados.
O que está acontecendo?
Em pleno 2021, já não é novidade falarmos em human centered. No entanto, quando falamos das jornadas dos colaboradores dentro das organizações (employee experience), ainda engatinhamos.
Hoje, existe uma desconexão entre pessoas e entre as áreas internas de muitas empresas que refletem diretamente no primeiro ponto de contato entre pessoas e organizações: no processo seletivo.
Mas vamos por partes. Vou tentar facilitar o entendimento porque esse texto será longo.
Quando conhecemos uma pessoa, normalmente esperamos que exista uma troca, certo? Dificilmente criamos conexão se uma das partes não demonstra interesse, não está presente de fato durante uma conversa, se usa frases genéricas ou enigmáticas ou se discorre sobre si mesma como se tivesse decorado um roteiro.
Se conhecemos uma pessoa no Tinder e marcamos um encontro que apresente as características acima, a maioria dos indivíduos consideraria essa experiência, um desastre completo.
E por que fazemos isso nos “primeiros encontros” entre candidatos e empresas?
Vamos aos fatos. A maioria dos relatos em redes sociais e em grupos sobre empregabilidade nas comunidades de outras redes sociais ou apps de mensagens instantâneas como WhatsApp e Telegram apontam para:
1) Despreparo de recrutadores, seja por nem olharem currículos e portfólios, por não saberem lidar com novos cargos, posições híbridas/novas funções, por não prestarem atenção ao que o candidato está falando, ou mesmo utilizar roteiros estruturados, fechados e sem revisão em entrevistas, que hoje não conversam com a realidade e anseios da maioria das pessoas;
2) Falta de entendimento dos próprios candidatos sobre a utilidade de um monte de etapas, testes e motivos de determinadas perguntas serem feitas durante um processo seletivo, fechando quase que instantaneamente um canal de comunicação por uma pergunta feita de forma equivocada por parte da empresa.
Nas entrevistas de emprego, a maioria das empresas ainda trabalha com formas de selecionar candidatos bastante arcaicas, sem talvez se atentar que isso seja um tiro no pé. É quase ridículo usarmos o termo humanização quando lidamos com subprocessos de Recursos Humanos, mas pasmem, isso é uma das disciplinas de último semestre em algumas instituições de ensino, o que demonstra que a coisa é bem séria e que dezenas de métodos e regras foram desenvolvidos ao longo dos anos para otimizar e padronizar processos a ponto de lidarmos mais frequentemente com relacionamentos “robotizados” do que verdadeiramente humanizados. Exemplos disso são as clássicas perguntas dos roteiros tradicionais de entrevistas e que a maior parte dos candidatos não veem o menor sentido:
- Por que você está se candidatando a essa vaga?
- Por que você escolheu a nossa empresa?
- Você trabalha atualmente?
- Qual o seu objetivo profissional?
- Onde e como você se enxerga em 5 ou 10 anos?
- Se fosse um animal, qual você seria?
Qualquer recrutador sabe que existe justificativa para todos esses exemplos e quais critérios estão sendo avaliados em cada uma dessas perguntas. Mas os candidatos não sabem e nem teriam porque saber se ninguém se dá ao trabalho de explicar para que servem de forma transparente e a maioria também não consegue dar um feedback para todos os candidatos dentro de um processo. Um problema clássico de comunicação que gera desconexão imediata nesse “primeiro encontro” e impacto negativo na reputação como marca empregadora.
Há maneiras de reformular essas e outras questões padrões em roteiros de entrevistas aprendidos que dão um pouquinho de trabalho fazer, mas são necessárias para serem contextualizadas para a época em que estamos vivendo. Isso é necessário, inclusive, porque o tom de voz utilizado reflete o posicionamento da marca/empresa. Não é algo que talvez um recrutador que não tenha nenhuma vivência em áreas de comunicação consiga fazer sozinho. Isso está relacionado ao branding, ao marketing e hoje com UX writing também dentro da construção das jornadas. E aí voltamos a apontar para uma questão anterior: a falta de conexão entre pessoas e áreas dentro de uma mesma empresa, não só com candidatos no recrutamento e seleção. Essa falta ou falha de comunicação geram inclusive descrições de vagas altamente questionáveis e processos seletivos ineficientes.
E se começarmos a puxar toda a cadeia de relações cavaremos um buraco muito fundo. Então, neste texto vale somente entendermos que precisamos manter uma visão sistêmica. Isso significa que qualquer ação tem impacto em outras atividades, dentro de uma cadeia bem mais complexa.
Qual o problema de fato?
O principal problema, como alguns exemplos já descreveram acima é de COMUNICAÇÃO. Um diálogo só acontece se as duas partes estão abertas para isso, considerando os universos internos de cada um dos envolvidos. Hoje, não funciona mais a postura enigmática que só a empresa entrevista e não oferece espaço para trocas reais, mesmo que seja na primeira abordagem (e não basta perguntar para o candidato se ele tem alguma dúvida). Criar esse espaço de diálogo é responsabilidade da empresa.
É mais difícil selecionar abrindo espaços para diálogos? Com certeza. Porém, assim como em customer experience há muitos anos já se aprendeu que usuários/clientes/pessoas precisam ser ouvidos, o RH também precisa aprender isso já para o processo seletivo. Aliás, CX e EX fazem parte da construção da marca. Não adianta olhar para um e ignorar o outro. A humanização começa no OUVIR VERDADEIRAMENTE e isso não significa que também não exista nenhum processo ou método para facilitar a vida de quem está entrevistando. Só significa que mais uma porta se abre para entender as dores, anseios e necessidades dos perfis dos candidatos e isso torna mais rico todo o relacionamento.
Sem ouvir, não existe o verbo empatizar e sem empatização não existe humanização.
COISAS QUE NINGUÉM VÊ (ou não comenta):
Como as instituições de ensino formam hoje os profissionais de RH?
Há instituições que preparam de fato profissionais de Recursos Humanos para lidarem com mudanças e desafios constantes em ambientes complexos? Sim. Porém, a maioria desses cursos são inacessíveis aos meros mortais, ou por processos seletivos ultra concorridos, ou pela mensalidade exorbitante e irreal para a média de salários brasileira. No entanto, a maioria das empresas não contrata só profissionais formados nessas instituições, senão, teríamos carência de profissionais de RH para todas as empresas de pequeno, médio e grande porte existentes nesse país.
Por sua vez, as instituições medianas ou com mensalidades acessíveis pautam seu sistema de ensino em uma grade com mais de 40 anos. Não que aprender tudo o que já foi feito não seja importante, mas o foco está mais em mostrar para esses profissionais qual foi toda a constituição da Administração de Recursos Humanos do que contextualizar os profissionais que estão tentando se atualizar ou entrar nesse mercado com as terminologias que são realmente utilizadas no dia a dia, ou ainda, com os desafios que as áreas de pessoas hoje possuem dentro das organizações.
Isso significa, que a maior parte dos profissionais de Recursos Humanos ainda está sendo formada com metodologias antigas e que já não dialogam mais com a realidade que estamos vivendo. Precisam de adaptações.
Aí vamos para as “atualizações”. Encontramos vários cursos pipocando de Employer Branding, Employee Experience, RH ágil e etc. Para um profissional que cursa uma graduação ou pós-graduação em uma das instituições acessíveis, talvez ainda tenha que complementar a própria formação com cursos de CNV, futurismo, métodos ágeis, design de serviços, diversas metodologias para facilitações de equipes, comunicação interna entre outros.
No entanto, esses cursos de curta duração ainda estão mais focados em sensibilizar os profissionais sobre algumas questões do que efetivamente conseguem oferecer ferramentas, metodologias ou vivências para a solução de problemas reais e complexos. Um curso de 8, 12, 24, 48 ou mesmo 60 horas sempre será introdutório. O profissional termina o curso “sensibilizado” mas chega na organização e muitas vezes dá com a cara na porta porque não consegue implementar nada do que aprendeu.
Dentro das empresas
As organizações também estão passando por um processo de transformação, tentando se adaptar às novas necessidades de seus públicos internos e externos e isso não é tão simples.
Há ainda muitos bloqueios compreensíveis com relação a qualquer tipo de mudança. Ainda assim (atire a primeira pedra quem nunca viveu isso dentro da própria empresa), é mais fácil que as lideranças escutem uma consultoria externa, quando conseguem pagar por ela, do que consigam se auto organizar para ouvir os próprios funcionários. E muitas vezes, o profissional que saiu de uma das atualizações citadas acima, tem preparo para atuar como facilitador de processos, ensinando e aprendendo com todos dentro da organização. Mas para isso, precisa existir antes, meios do próprio relacionamento entre áreas ser mais transparente e eficiente.
Empresas que adotam métodos ágeis tendem a caminhar mais rapidamente para o estabelecimento de melhores relações entre áreas, embora melhorar as relações nos ambientes de trabalho independa do sistema de gerenciamento adotado. Pode funcionar muito bem em métodos tradicionais se existir uma boa comunicação entre pessoas. Porém, ainda existe muita confusão em como isso tem sido aplicado nas empresas. Montar um squad por exemplo não é só enfiar um monte de gente diferente trabalhando em uma equipe, sem uma transição efetiva da forma de operar tradicional. Não vou entrar neste item agora por ser assunto para outro artigo.
Os profissionais de RH dentro das organizações passam a maior parte do tempo dando murros em pontas de facas e tentando entender onde reside o problema. Mesmo que tenham discursos maravilhosos na ponta da língua não conseguem agir porque a ação deles não pode ser individual. Para funcionar, precisa do envolvimento de toda a organização.
Sociedade
Com pandemia, demissões em massa que aconteceram no último ano, fechamento e redução drástica de empresas, o próprio cenário está caótico. Juntemos a isso as desigualdades que sempre existiram e foram aumentadas.
Psicologicamente, o brasileiro está cansado e precisa pagar boletos e agora dívidas. Muitas vezes, alguém que está procurando emprego simplesmente envia 400 currículos porque está desesperado. No desespero, alguém costuma ter algum tipo de paciência para realmente lidar com processos robotizados, falta de retorno e ser tratado como um número? Eu acredito que seja bem difícil manter alguma serenidade.
Esse mesmo ser humano vive em um sistema capitalista que também está em colapso mantendo ainda o consumo desenfreado, com itens cada vez mais caros e salários cada vez mais baixos. Não há mais estabilidade nos empregos, aumentando o medo com relação ao próprio futuro e de familiares, evidenciando ainda mais, a exclusão social.
Neste contexto, as pessoas são capazes de fazer qualquer coisa, pois estão operando somente na base da pirâmide de Maslow que tanto falamos, no modo quase abaixo da linha de sobrevivência. Elas vão competir loucamente pelas vagas, a grande maioria terá que aceitar qualquer oferta, responderão sobre assuntos que não se sentem confortáveis porque precisam pagar contas e os problemas estruturais só são agravados.
Mais uma vez, o entendimento da responsabilidade de uma empresa, composta por pessoas e para pessoas, precisa ser SISTÊMICO.
O deboche sobre o assunto é a melhor forma de resolvermos o problema?
Voltamos no ponto que me fez escrever esse texto. A resposta é NÃO.
O deboche é somente uma dentre várias ferramentas que podem ser usadas em um processo bem longo de comunicação que visa primeiramente SENSIBILIZAR uma audiência para um determinado assunto. Nas redes sociais é bastante utilizada mas, as opiniões tendem a ser sempre polarizadas. Inicia-se um questionamento, mas dificilmente geram diálogos mais aprofundados, muito menos soluções.
E por onde começar a encontrar as soluções?
No óbvio. Nas pessoas. E por isso falamos em humanização de processos e organizações. Conforme avançamos nos sistemas de produção perdemos essa “humanidade” e ela precisa de alguma forma ser resgatada.
A partir do momento em que as pessoas se abrem para aceitarem opiniões e pensamentos divergentes, dialogar de forma construtiva e civilizada já observamos a disposição para ouvir. Vamos lembrar que economia é uma ciência social, empresas são formadas por pessoas e pessoas são agentes de transformação.
Como, em um contexto caótico, algumas pessoas conseguem acessar a própria capacidade de transformação, ao invés de afundar no desespero e desamparo?
Esse acesso acontece em um nível muito inconsciente e profundo, normalmente anunciando também algum ponto de virada nas histórias de vida de cada indivíduo. Nesse ponto de virada, a forma de encarar as próprias responsabilidades pelo simples fato de estarmos vivos e entender o impacto das nossas ações no mundo e não só nas micro relações, sofrem alterações drásticas (pelo menos na maioria das histórias que chegam até nós). O que faz então alguém que está na base da pirâmide de Maslow ser capaz de operar, na prática, em todos os outros patamares para solucionar um problema, mesmo que seja pessoal?
A Teoria U fala sobre uma fonte interna. Essa fonte que normalmente precisa ser identificada e despertada. É o que nos faz sair do eixo de negação e desespero para o eixo de construção e presença. A máxima dessa tecnologia social é a frase de Bill O’Brien: “O sucesso de uma intervenção depende da condição interior do interventor”. Depende mesmo.
O que faz um jovem de 13 anos, trabalhando como “aviãozinho” perceber que se não deixasse essa vida, tomaria um tiro ou estaria preso até os 15, se interessar por Robótica, montar um laboratório maker na garagem de casa e hoje, como elo de ligação entre universos completamente diferentes, ser engajado com dezenas de projetos sociais que profissionalizam e geram renda para pessoas em situação de vulnerabilidade? Ele mesmo estava em situação de vulnerabilidade. O que move uma pessoa assim?
O que move uma mulher, após ser quase morta pelo marido, refém de um relacionamento abusivo e sem liberdade financeira, sair desse relacionamento, conquistar alguma autonomia e depois descobrir ser capaz de mudar além da própria vida, a vida de centenas de mulheres em sua comunidade?
Essas pessoas possuem mais “força interna” que todo o resto da população? Não. Elas simplesmente perceberam que ao começar algo mesmo que seja minúsculo em direção à mudança é possível impactar centenas de pessoas. Perceberam que suas próprias atuações são sistêmicas. Uma vez que percebemos a responsabilidade de estarmos vivos, mudamos a concepção sobre todos os nossos relacionamentos. E isso se aplica no coletivo também, ampliando para organizações e sociedades, porque ampliamos nossa capacidade de escuta e suspensão de julgamentos.
Mais que humanizar, precisamos aprender a viver e não só a sobreviver. E não estou falando de mordomias, regalias, ou condições financeiras favoráveis. Estou falando do impacto que todos nós temos na vida de quem nos cerca e em todas as nossas pequenas atividades diárias, inclusive cocriando sistemas mais colaborativos para tentar resolver carências existentes que nenhum outro tipo de sistema atual consegue dar conta de resolver.
Existem várias metodologias que suportam e auxiliam nos processos de mudança. O próprio Design Thinking, por exemplo. Muita gente já utiliza os conceitos básicos e pode nem saber que já faz isso. Dentro de organizações, quando existe a abertura para olhar com profundidade qualquer processo, usando essa abordagem, não só as interações entre pessoas já apresentam um grande ganho, mas a própria estrutura começa a se movimentar para o eixo das construções, trazendo um monte de possibilidades criativas até que sejam desenhadas de fato soluções que façam sentido ou sejam consideradas inovadoras.
Falar então sobre humanizar relacionamentos é falar sobre melhorar a comunicação entre as pessoas, dentro das organizações e na sociedade. É se atentar que tudo o que fazemos tem impacto. Empresas por serem um conjunto de pessoas possuem bastante responsabilidade não só com os indivíduos que a compõem mas também, no estabelecimento de novas relações e principalmente na potencialização de transformações que podem movimentar junto a governos, outras iniciativas sociais ou simplesmente tendo o cuidado de elaborar perguntas melhores quando estabelecem um primeiro contato com qualquer ser humano. Isso vai depender do grau de responsabilização que cada empresa desejará assumir para passar por transformações internas e transformar o que puder ao redor.
Para resolver o sinal de fumaça é preciso observar com bastante atenção para o que está causando o incêndio e não inserir mais combustível.
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